"Acreditamos
que na criação de um novo estilo esconde-se a única
e sublime possibilidade de tornar a vida suportável."[1]
Na
cidade moderna, o valor do indivíduo cada vez se reduz mais.
A cidade que anteriormente era essencialmente o lugar da segurança
tornou-se o lugar do desespero, da solidão, da luta pela sobrevivência.
A cidade como pólo cultural torna-se privilégio de poucos.
Em
todo o mundo é hoje a grande cidade um organismo economicamente
passivo e politicamente não governável, perigoso para
a saúde física e psicológica dos habitantes. A
grande disparidade do teor de vida das diversas classes torna-se exclusão
dos menos favorecidos do usufruto do bem cultural que a cidade representa.[2]
O
fenômeno do tribalismo nas sociedades contemporâneas vem
sendo estudado pelos sociólogos, entre eles Michel Maffesoli
[3], como uma possível resposta à situação
de perda e solidão vivida pelo ser humano nas grandes cidades;
onde a cultura de massa e o individualismo são dominantes. "Sob
mais de um ponto de vista, a existência social está alienada,
submissa às injunções de um Poder multiforme. Não
deixa de ser verdade, no entanto, que existe uma Potência afirmativa,
a qual, apesar de tudo, repete o jogo (sempre) recomeçado da
solidariedade ou da reciprocidade".[4]
Com
o aparecimento das comunidades virtuais esta potência afirmativa
vem sendo reafirmada. Nelas, assim como afirmou Marcel Mauss, o grande
pensador francês [5], todos parecem estar interessados num trabalho
comum e solitário alternativamente, no saber acumulado e redistribuído,
no respeito mútuo e na generosidade recíproca que a educação
ensina. Sendo assim, torna-se fácil entender o sucesso de um
projeto como o "Museu do essencial e do além disso":
projeto que não está ligado a nenhuma instituição
e também não tem apoio financeiro ou patrocínio
de quem quer que seja, elaborado num computador doméstico na
cidade do Rio de Janeiro mas que possui um modelo digital dinâmico,
um permanente vir a ser e, por isso mesmo recebe contribuições
de diferentes latitudes e longitudes desta geografia sem fronteiras
criada pelas tecnologias da informação. Um mundo que parece
estar elegendo as comunidades virtuais como uma possível aposta
num futuro melhor.
O
ciberespaço pode proporcionar a anulação das distâncias
entre os ocupantes, mesmo que seja a anulação de uma distância
simbólica, pela comunicação digital. Qual a imagem
do ciberespaço? Qual a imagem de um museu no ciberespaço,
com suas galerias e bibliotecas? Um "ciber-museu" é
uma forma de espaço-tempo que se constrói pelo movimento:
transporte e comunicação. No processo de criação
de um museu virtual não se pode ignorar os percursos de pessoas
pelo espaço informativo e que este deve ser um lugar de intensa
troca de informação entre todos que o visitam e dele participam.
2.
O que é exatamente o "Museu do Essencial e do Além
disso"
O
projeto consiste na criação de arquiteturas virtuais:
um museu com suas bibliotecas e galerias, as quais não possuem
correspondentes no mundo real. É muito comum vermos um museu
ou uma biblioteca real possuírem seus "sites" na "web",
mas não é muito comum a situação na qual
se desenvolve este nosso "museu". Um museu que não
existe e cuja arquitetura e obras são formadas por algarismos
01010101. Será ele apenas um espaço eletrônico onde
trafegam bits e bytes?
O
museu surgiu como um "work in progress": arquitetura de informação
então?... Mas também como um imaginário pixel -
prédio de dois andares e um porão... Seu prédio
a qualquer momento pode ter seu projeto arquitetônico alterado,
seja construindo-se mais um andar ou alterando-se o aspecto de sua forma
- projeto de Niemeyer [6] , constelação, estação
espacial, gravura de Piranesi [7]: interface criativa?... O nosso conceito
de museu é o de uma estrutura aberta, na qual a informação
é dispersa numa série de espaços; uma máquina
capaz de se desenvolver infinitamente em todas as direções.
Fig.1
- Arquitetura / gravura de Piranesi
A
Bibliotheca das Maravilhas, por exemplo, está situada no primeiro
andar do prédio e nela estão disponíveis alguns
e-books de artista, lista que deve aumentar gradualmente. Atualmente
lá estão: O branco e o negro, reflexões sobre a
neblina, o Livro de areia, o Alienista, a net . art / web . art e outras
história (neste livro, uma outra arquitetura virtual: a série
animada Casa Verde, a qual apresenta não só uma imagem
do ciberespaço, como uma imagem de si própria, que pretende
ser a região do ciber onde ficam os artistas que lidam com net,
web.art). O objetivo deste projeto dentro do projeto do museu é
examinar mais de perto o impacto cultural e as possibilidades criadas
pelo computador enquanto máquina capaz de produzir livros e bibliotecas
e a fronteira existente entre o livro tradicional e o livro eletrônico.
Fig.
2- Ciberespaço e Casa Verde Fig. 3- Casa Verde
- interior
Fig.
4- Sala Brasil - interior
Todos
os livros da Bibliotheca das Maravilhas são baseados em obras
primas da literatura universal e em jogos antigos e também são
multimídias / hipertextos de nossa autoria. O desejo de ampliar
este espaço nos levou a ter vontade de convidar outros autores.
O primeiro convidado foi Joel Weishaus (Center for Excellence in Writing,
Portland State University Portland, Oregon) que nos enviou Traces of
the catacombes, which takes its name from the "hollow (hallowed)
ground" of Early Christianity, excavated in what was then the suburbs
of Rome. But there are other catacombs, such as those beneath Paris,
and other issues to be uncovered; so that the title plays on the name
of French artist Mireille W. Descombes.
Existe também neste mesmo andar do museu uma outra biblioteca
que pretende ser especializada e aos poucos ir formando um acervo bibliográfico
virtual sobre o assunto arte e tecnologia. Exatamente como numa biblioteca
real cada livro possui ou possuirá sua respectiva ficha de consulta.
Ainda neste andar estão situadas as salas de revistas, entrevistas
/ depoimentos e ensaios.
A seleção do conteúdo do museu tem como critérios
essenciais a contemporaneidade e a qualidade. No que diz respeito à
Arte Contemporânea nos interessa essencialmente o viés
Arte e Tecnologia. A maioria dos artistas e do grande público
desconhece que muito mais do que uma ferramenta, o computador está
fazendo surgir novas linguagens artísticas. E é nestas
linguagens e na contemporaneidade da proposta que o "Museu do essencial
e do além disso" investe atualmente. Exatamente por isso
temos dado ênfase às experiências com poesia digital,
pois nos parece que apenas agora a poesia visual encontrou o suporte
que necessitava e que já adivinhara desde Stéphane Mallarmé
[6].
Na nossa coleção de poesia digital pode ser encontrado,
por exemplo, o Jogo Arteroids 2.03, do artista canadense Jim Andrews.
O jogo é uma luta da poesia contra ela mesma e contra as forças
do tédio, um 'filme' em Macromedia Shockwave na Internet, um
jogo de computador de 216 níveis e também uma nova perspectiva
para a poesia digital.
Em relação à poesia digital também não
podemos deixar de citar a Sala dos Spams onde estão os Spams
Trashes do poeta uruguaio Clemente Padín. Isso é poesia?
Isso é arte? Visite esta sala e envie para um amigo um pouco
desse clima de criação, reflexão, humor, ironia
e desejo de um mundo melhor...
Abaixo estão relacionadas as galerias que estão funcionando
e os respectivos artistas em cada uma delas:
I- Subsolo:
ESTÉTICA DA TRAGÉDIA: Carlos Zerpa (Venezuela), Caterina
Davinio (Itália), Clemente Padín (Uruguai), Daniel Acosta
(Argentina), Déa Junqueira (Brasil), Hilda Paz (Argentina), Joesér
Alvarez (Brasil), Léo Caraffa (Brasil), Leonardo Lezcano (Espanha),
Marcelo Frazão (Brasil), Miekal And (Estados Unidos), Neide Sá
(Brasil), Paulo Villela (Brasil), Regina Célia Pinto (Brasil),
Wilfried Agricola de Cologne (Alemanha)
TRAGICOMÉDIA: Marcelo Frazão (Brasil), Paulo Villela (Brasil)
e Regina Célia Pinto (Brasil)
SALA ESPECIAL: Regina Célia Pinto (Homenagem a Goya)
II- Primeiro andar (térreo):
POESIA DIGITAL: Ana Maria Uribe (Argentina), Alexandre Venera (Brasil)
e Clemente Padín (Uruguai), David Daniels (Estados Unidos), Jim
Andrews (Canadá), JoesérAlvarez (Brasil), Jorge Luiz Antonio
(Brasil), Regina Célia Pinto (Brasil)
LIVRO-OBJETO VIRTUAL: Barry Smylie, Jeff Wietor , Ryan Douglas e Suzan
Katz (Canadá e Estados Unidos), Blas Valdez (México),
Regina Célia Pinto (Brasil)
III- Segundo andar:
CLONAGEM E WEB: Babel (Canadá), Isabel Aranda (Chile)
CONCEITO DE FRONTEIRAS HOJE: Alan Sondheim (Estados Unidos), Antonio
Alvarado (Espanha), Barry Smylie (Canadá) e Ryan Douglas (Estados
Unidos), George Hartley (Estados Unidos) e Juan Felipe Herrera (México),
Lewis Lacook (Estados Unidos), Miguel A. Jimenez (Espanha), Suely Farhy
(Brasil), Wilfried Agricola de Cologne (Alemanha).
CARTOGRAFIAS E GLOBALIZAÇÃO: Caterina Davinio (Itália),
Giovanni Strada (Itália), Helenice Dornelles (Brasil), Lia Belart
(Brasil), Luc Fierens (Bélgica), Marcelo Frazão (Brasil),
Muriel Frega (Argentina), Nilda Saldamando (Chile), Ricardo Corona e
Eliane Borges (Brasil), Sandra Miguélez e Rafael González
(Espanha), Tulio Restrepo (Colômbia)
FRONTEIRAS ENTRE NET.ART - WEB.ART E ARTE HOJE: Álvaro Ardevol
(Espanha), Barry Smylie (Canadá) e Ryan Douglas (Estados Unidos),
Brad Brace (Estados Unidos), Diana Domingues e o Grupo Artecno (Brasil),
Frédéric Durieu e Jean-Jacques Birg (França), Guto
Nóbrega (Brasil), Jim Andrews (Canadá), Joesér
Alvarez (Brasil), Isabel Aranda (Chile), Reiner Strasser (Alemanha),
Regina Célia Pinto (Brasil), Sarawut Chutiwongpeti (Tailândia)
SALA DOS SPAMS: Clemente Padín (Uruguai)
IV- Sótão:
Recentemente, num trabalho colaborativo com Reiner Strasser, alemão
de Wiesbaden foi acrescentado um sótão à estrutura
do museu. Reiner Strasser e eu criamos e inauguramos esta nova galeria.
O que nós estamos mostrando no sótão são
os nossos antigos computadores nos quais criamos web, net.art e arte
digital e algumas criações feitas nessas máquinas.
Estes "AVATARES" de antigas máquinas e os trabalhos
feitos nelas não são apenas cool memories, são
também uma forma de sugerir etnograficamente e com senso de humor
que se deve começar a pensar na preservação deste
tipo de cultura virtual. Inaugurado em setembro/2002, até agora
já se instalaram no sótão os seguintes artistas:
Agricola de Cologne (Alemanha), Alexandre Venera (Brasil), Ana Maria
Uribe (Argentina), Barry Smylie (Canadá), David Daniels (USA),
Duc Thuan (Vietnam), Komninos Zervos (Austrália), Millie Niss
(USA), Muriel Frega (Argentina), Reiner Strasser (Alemanha) e Regina
Célia Pinto (Brasil).
Fig.5
- o sótão do museu
V-
Navegação:
A navegação entre as diversas áreas do museu pode
ser feita de duas maneiras, através de links (fig. 6) na página
http://www.arteonline.arq.br/museu/home2 ou através de seu corte
lateral (fig.7) e plantas baixas (fig.8) ... Para ter acesso a este
modo de navegação é necessário clicar no
logotipo (fig. 9) do museu que aparece quando a página citada
anteriormente é acessada. Este modo de navegação
entre plantas baixas simula um deslocamento real no espaço virtual
do museu.
Fig.
6: Menu de navegação: Página HOME 2
Fig.
7: Corte Lateral Fig.8:
Planta baixa do Primeiro Andar
Fig.
9: Logotipo do museu
Ao
contrário das cidades virtuais que são encontradas na
web, onde tudo sempre é perfeito, o espaço do museu não
funciona deste jeito, pelo contrário, seu funcionamento pretende
atender sempre ao princípio da realidade. Por exemplo, a tragédia
e sua estética ou aquilo que na verdade não gostamos de
conhecer, foi deslocado (com um pouco de humor negro...) para o subsolo
(porão). Aos poucos pretendemos colocar alguns problemas no prédio
do museu, visto que o que se pretende com ele não é uma
paródia asséptica de um museu real. Está previsto
que vítima de seu sucesso e da enorme quantidade de visitantes
esta máquina cultural poderá ter necessidade de ser restaurada.
De vez em quando uma sala ou galeria poderá ser fechada para
reparos. Também poderão perturbar a sua ordem conflitos
de poder, tanto de um poder político como o poder de feudos corporativistas,
tão comuns em instituições deste tipo...
3- O Além Disso
O
fato é que o projeto, justificando o além disso de seu
nome, vem se transformando cada vez mais em um centro cultural, que
ao clicar do mouse oferece simultaneamente um museu e um lugar de criação
e comunicação, no qual as artes visuais integram também
a música, o cinema (animação), a poesia, os livros
e a pesquisa audiovisual. "Essa sua característica está
ligada ao destino da arte atual, aquela de encarnar, em suas obras certas
formas novas de beleza, que não poderão surgir senão
do reencontro de todas as técnicas [8]" e tecnologias...
No Museu do Essencial e do Além Disso, desde sua inauguração,
este reencontro está presente nas suas palavras mestras: comunicação,
informação, pluridisciplinaridade, pluriculturalidade
e mobilidade. A ciência e a tecnologia envolvendo a arte, para
protegê-la e propiciar condições de existência
e desenvolvimento.
4-
Referências:
[1]
apud MAFFESOLLI, Michel (1995). A contemplação do mundo.
Porto Alegre: Artes e Ofícios.
[2] ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história
da cidade. São Paulo: Martins Fontes, p. 258.
[3] Michel Maffesolli , sociólogo francês contemporâneo,
estuda esse assunto no livro "O tempo das tribos".
[4] MAFFESOLLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1987, p. 101.
[5] MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições
70, 1988.
[6] Oscar Niemeyer: arquiteto brasileiro contemporâneo e o criador
de Brasília, cidade-monumento patrimônio da humanidade.
(http://www.niemeyer.org.br/)
[7] Piranesi: arquiteto, artista e gravador veneziano, século
XVIII apud: FICACCI, Luigi. Giovanni Battista PIRANESI. Alemanha: Taschen,
2001.
[8] FRANCASTEL, Pierre. Art et technique aux XIX et XX siècles.
Paris: Éditions Minuit, 1956
5-
Bibliografia
BACHELARD,
Gaston. A poética do espaço. Rio de Janeiro: Livraria
Eldorado Tijuca Ltda, s / d
BAUDRILLARD, Jean. A ilusão vital. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2002
___________________. Simulacros e simulações. Lisboa:
Relógio d' Água Editorial, 1991
BERNARDO, Gustavo e MENDES, Ricardo (organização). Vilém
Flusser no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Relume Dumará, 1999.
DOMINGUES, Diana (organização). A arte no século
XXI: a humanização das tecnologias.São Paulo: Unesp,
1997.
__________________.Criação e interatividade na ciberarte.
São Paulo: Experimento, 2002.
GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara, 1989.
LEÃO, Lúcia. A estética do labirinto. São
Paulo: Anhembi Morumbi, 2002.
LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva. São Paulo:
Edições Loyola, 1998.
___________. A máquina universo. Porto Alegre: Artemed, 1998.
___________. O que é virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.
MAFFESOLLI, Michel. O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1987.
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições
70, 1988.
PANOFSKI, Erwin. A perspectiva como forma simbólica. Lisboa:
Edições 70, 1993.
PINTO, Regina Célia e ANTONIO, Jorge Luiz. Algo no lago: uma
experiência em net.poesia. Rio de Janeiro: publicação
multimídia - cd-rom, 2002.
SILVEIRA, Paulo. A página violada: da ternura à injúria
na construção do livro de artista. Porto Alegre: Editora
da Universidade, UFRGS, 2000.
URLS:
LEMOS,
André. Ciber-cidades. http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/lemos/cibercidade.html)
LEMOS,
André. Ciber-tribus.
(http://cibersociedad.rediris.es/congreso/comms/g06borges.htm )
http://www.difu.de/index.shtml?/english/occasional/virtual_cities/