"Uma mistura caótica... Instintivamente, um constante ir e vir entre os movimentos sonoros e gráficos e a programação dos processos de controle ... Verificando sistematicamente os diferentes resultados possíveis, tento utilizar o computador como se ele fosse uma caixa de som caótica, e não como uma ferramenta sonora para gravar trechos especiais...A programação é, portanto. a última parte do trabalho ... "
                                    servovalve

servovalve Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto

Podemos ser atingidos pela harmonia minimalista reinante no trabalho audio/visual/interativo de servovalve com Shockwave. A música é minimalista, as imagens também. A música, diz ele, é "eletrônica, rítmica, enérgica, atmosférica, horológica (conectada ao tempo dado pelo relógio do computador), meta-litúrgica... sub-ambiental ... "neurodance" ; e os visuais, colocados sobre fundo negro, tiram a sua energia não do ornamento mas de sua interação com a música, e de suas transformações e movimentos programados e controlados.

servovalve faz também apresentações com seu trabalho. Então parte da energia de sua obra se relaciona ao envolvimento dele nas apresentações. Ele é um dos muito poucos artistas-músicos-programadores trabalhando seriamente para a "Web" e fazendo performances ao vivo..., e CD-ROMs. Ele tem seis CDs que estão listados no seu "site". Ele tem igualmente uma página na qual se pode fazer o "download" de arquivos MP3 para se ter uma idéia de suas produções musicais.

servovalve não se considera exatamente um programador, mas observando seus trabalhos e escutando as interessantes sincronizações entre o som e as imagens visuais, você constata que seu "lingo gráfico" (trabalho de bitmap em tempo real), é de um nível muito bom, assim como sua aptidão para sincronizar os elementos sonoros e visuais obrigatoriamente separados. Eis aqui o que ele diz:

" Não sou propriamente um programador... pode ser que me torne... progressivamente... Estudei primeiro as artes gráficas e a comunicação visual. Tudo por influência da música... Minha curiosidade no que concerne à combinação dessas disciplinas dirigiu o meu interesse para a programação. No princípio, não foi fácil... eu não tenho um espírito científico ... Comecei a utilizar o "Director" para animações (usando apenas a linha de tempo horizontal). Depois, passo a passo, com a ajuda/troca entre gente como J-L.Lamarque, O.Koechlin, e A.Schmitt, as coisas se tornaram mais claras... Isto me abriu um imenso horizonte de exploração. Progressivamente, a estrutura de meus roteiros/linhas do tempo está se verticalizando."

Uma observação muito interessante: "Progressivamente, a estrutura de meus roteiros/linhas do tempo está se verticalizando"... O paradigma primário em "Director" e "Flash" é que o "filme" consiste de uma linha do tempo formada de quadros como um filme real. Cada quadro pode ter numerosas pistas como uma partitura musical. As pessoas que não sabem programar realizam linhas do tempo muito longas, como um filme. Os programadores lingo (linguagem de programação do "software" "Director" ) tendem a construir um só quadro que possua os movimentos e animações controladas pela programação. Eles subordinam o modelo do filme ao de um organograma, que é essencialmente vertical em lugar de horizontal. A linha do tempo torna-se mais curta e mais profunda.

servovalve, contrariamente à avaliação humilde que faz de si mesmo, programa muito bem e, ainda mais, entende o uso e a importância do código original em sua arte e não tem medo de saber disto, acha muito interessante aprender. Podemos ver isto no trabalho dele. Caso você esteja familiarizado com outros trabalhos em "Shockwave" utilizando um código similar, constatará que a significação do movimento e da representação gráfica é por vezes simplista, se comparada à inteligência sem medida de servovalve no seu trabalho. Enquanto que alguns trabalhos se contentam em acumular ruídos, movimentos, interatividade e contemplação... servovalve despoja seu trabalho até o osso, deixando apenas o movimento e o som mais importantes explícitos.

Considere, por exemplo, uma peça de seu CD "n-gone" chamada "ligne de ville". É uma de minhas peças favoritas. Apague a luz, coloque o monitor em "fullscreen" (tela cheia) e aumente o volume sonoro. O som deste módulo consiste-se básicamente em um "loop" (repetição contínua do som); com a mudança de gráficos percebemos uma ou várias e diferentes notas puras tocando. É antes uma peça de ordem cósmica, sugerindo a arquitetura de um céu noturno... ou o esqueleto estrutural de nosso próprio destino...

Aqui a programação não é evidente. As transformações visuais não são feitas tão facilmente; mas elas também transformam a peça conceitualmente de um céu noturno em... digamos, outra coisa. Qualquer coisa muito misteriosa e bela, relacionada às artes visuais e a um tipo de pintura sonora, bits sobre a tela, e algoritmos.

A propósito do CD, Jean-Jacques Birgé disse:

"A parte multimídia de seu CD n-gone é brilhante e definitiva. Quero dizer que no estilo "minimal" e "techno" de imagens e sons, é a quinta-essência do que se pode imaginar, tanto pelas imagens como pelos sons".

A variedade no "n-gone" é muito mais gráfica do que musical, mas os diferentes sons e sua contagem de tempo são suficientemente variáveis e agradáveis de escutar. Acho "ligne de ville" muito relaxante e suficientemente intrigante de se observar e ouvir.

"x-liner" é uma peça constituída de muitos movimentos de música visual. É uma peça longa; deve ser ouvida durante alguns minutos. Ela é ao mesmo tempo formal e também memoravelmente bela no jeito como os grafismos e os sons minimalistas esculpem harmoniosamente os movimentos sonoros e temporais induzindo a um certo suspense.

O movimento das imagens é sincronizado com o áudio, como a maior parte de seus outros módulos. Na entrevista abaixo, servovalve explica que uma de suas preocupações principais enquanto artista-programador concerne "ao acaso convertendo a realidade em ... sincronicidade???". Em "x-liner", nós vemos algumas indicações sobre o que ele pretende com isto, no jeito como o visual e o sonoro se cruzam sincronizadamente. Ou uma parte daquilo.

Electrotomy” é uma peça ao mesmo tempo interativa e generativa. "Generativa" no sentido que é diferente dependendo de como começa ou de como se interage com ela. A interatividade e a configuração inicial determinam o movimento rítmico; é principalmente um módulo essencialmente percussor. A interatividade se realiza através do "mouse" numa área situada em baixo e à direita do módulo. Esta ação muda o nome dos elementos visíveis nesse módulo. Talvez tenha dois Kb de gráfico e dois segundos de som... Não é verdadeiramente uma multimídia extravagante. Mas você consegue indicações de um senso de humor e de uma música visual austera resolvida com paixão.

A estética de servovalve parece estar ligada à de Antoine Schmitt no seu minimalismo apaixonado e inteligente. Mas ocasionalmente pode-se também estabelecer uma ligação com os outros artistas citados. Por exemplo, veja a relação entre "loolab" de servovalve e "Oeil Complex" de Durieu. Quer você queira ou não, os olhos são verdadeiramente muito comuns nesta arte. Seja qual for o "artista web", ele terá ao menos um módulo tendo relação com o olho no seu trabalho. Na "loolab" de servovalve, a criatura é constituída de olhos pisca-pisca, como aquela de Durieu. São, no entanto, duas entidades bem distintas. A de servovalve é interessante musicalmente, mas não é surpreendente. Nós poderíamos mesmo dizer que ela é melódica, parecendo também conter alguns elementos aleatórios funcionando com a música e as piscadelas de olho.

Agora, se você desejar contemplar um átomo musical, experimente "cone82" ou "cone8". Estes são interativos e vibram com o charme de servovalve.

  Entrevista
Andrews
Parece que você vem produzindo um trabalho interessante com "Shockwave" há algum tempo. Quando começou a trabalhar com "Director"?
servovalve
Em torno de 97/98... Não me lembro exatamente... quando a primeira versão de "Shockwave" apareceu .... Desde então eu reparto a maior parte de meu tempo de trabalho entre "Director" e "softwares" de música.
Andrews
Se entendi bem, você é programador. Estudou programação ou é autodidata?
servovalve
Não sou propriamente um programador... pode ser que me torne... progressivamente... Estudei primeiro as artes gráficas e a comunicação visual. Tudo por influência da música... Minha curiosidade, no que concerne à combinação dessas disciplinas, dirigiu o meu interesse para a programação. No princípio, não foi fácil... eu não tenho um espírito científico ... Comecei a utilizar o "Director" para animações (usando apenas a linha de tempo horizontal). Depois, passo a passo, com a ajuda/troca entre gente como J-L.Lamarque, O.Koechlin, e A.Schmitt, as coisas se tornaram mais claras... Isto me abriu um imenso horizonte de exploração. Progressivamente, a estrutura de meus roteiros/linhas do tempo está se verticalizando.
Andrews
Você é também músico. Como você qualificaria a música que faz ?
servovalve
Eletrônica, rítmica, enérgica, atmosférica, horológica (conectada ao tempo dado pelo relógio do computador), meta-litúrgica... sub-ambiantal... "neurodance"...
Andrews
Você faz apresentações também. Que tipos de apresentações são essas?
servovalve
Cinema ao vivo... difusão aleatória ou controlada de elementos auditivos e visuais, sincronizados ou não. Tento focalizar a atenção da audiência na tela / no ambiente sonoro... Controlo o processo, mas cada parte contém as lógicas geradoras / gráficas + aleatórias / sônicas...o que me permite obter diferentes resultados...
Andrews
Você utiliza freqüentemente o seu trabalho em servovalve.org nessas performances?
servovalve

A maior parte dos módulos de servovalve.org é oriunda dessas performances; "doin' dat much" é um exemplo; às vezes é o inverso, como "x-liner" ou "carbon"... Não existem regras... Somente a interatividade difere... O controle de um processo gráfico não é o mesmo se se trata de oferecer uma performance ou de oferecer uma peça enigmática num "site".

Andrews
Você tem lançado vários Cds, produz sua própria música.Você vai e vem entre um trabalho exclusivamente sonoro e a combinação de som e programação? Essencialmente o som? Ou uma mistura disso tudo?
servovalve

Uma mistura caótica... Instintivamente, um constante ir e vir entre os movimentos sonoro-gráficos e a programação dos processos de controle... Verificando sistematicamente os diferentes resultados possíveis, tento utilizar o computador como se ele fosse uma caixa de som caótica, e não como uma ferramenta sonora para gravar trechos especiais...A programação é, portanto, a última parte do trabalho...

Andrews
Quais são as outras pessoas que você conhece trabalhando com "Shockwave" e áudio interativo?
servovalve
Incluindo as pessoas que você cita algumas linhas abaixo... posso acrescentar Olivier Koechlin.
Andrews
Poucos músicos parecem combinar um trabalho sério na "Web" com a própria música, mas você o faz. Qual é o seu sentimento no que concerne a essa combinação?
servovalve
Uma necessidade... com a eletrônica... sensação do instante... fragilidade... imperfeição... somente o presente.
O trabalho na "Web" (exige arquivos leves) orienta o trabalho sonoro em direção a uma exploração nos territórios do minimalismo... para obter a compreensão de que as coisas mudam... O computador é um sistema de difusão. Sua utilização com as regras aleatórias / variáveis me parece natural e sensual...
Andrews
Como você descreveria suas preocupações principais como um artista-programador?
servovalve

1: o acaso cruzando a realidade... sincronicidade???
2: obsessão visual / sonora
3: penetração / compreensão do mental
4: curiosidade


portr01.gif

Andrews
Em que você trabalha atualmente?
servovalve

Na construção / produção de um "cd audio infini" para computador. O nome do projeto é N8... Há muito mais informação em: http://www.servovalve.org/cd/n8/

Andrews
Que interesses e preocupações você compartilha com Schmitt, Clauss, Durieu, e Jean-Luc Lamarque?
servovalve
Antoine e Jean-Luc são amigos e nós trabalhamos juntos muitas vezes. Conheço muito bem Frédéric, mas jamais encontrei Nicolas Clauss.
Andrews
Todos vocês utilizam "Director" e são artistas-programadores? Como isso aconteceu?
servovalve
Penso que a atração pelo "Director" vem da facilidade com a qual se pode rapidamente visualizar o resultado de uma programação mais ou menos sofisticada.
Andrews
Você se encontra com eles de tempos em tempos?
servovalve
Primeiro encontrei com eles por intermédio dos seus trabalhos na rede... depois nos encontramos de verdade... pela razão que nós todos morávamos em Paris nessa época. Constato que as pessoas que pesquisam e trabalham nesta disciplina são freqüentemente muito simpáticas... apaixonadas... interessantes. Sua vida está entranhada de sua filosofia de trabalho... ou é o inverso? Nós tivemos a ocasião de jantar juntos algumas vezes... Nós conversávamos sobre Lingo (linguagem de programação do "software" "Director")....!!
Andrews
Você pensa não ser habitual o fato de fazer parte de um grupo assim talentoso, todos utilizando a mesma ferramenta e sendo "artistas web" na mesma vizinhança? Isso parece esplêndido aos meus olhos.
servovalve
Nosso ponto em comum é a utilização de uma mesma ferramenta pelas suas possibilidades de exploração... as semelhanças acabam aí... cada um pode exprimir sua própria sensibilidade... e muito felizmente nós não utilizamos esses recursos técnicos da mesma maneira... Um guitarrista "trash-metal" e um guitarrista "country" utilizam uma guitarra... Nós construímos nosso próprio instrumento, pois nós tocamos com ele... Às vezes nós o compartilhamos...
Andrews
Onde você se situa em relação a esse grupo de artistas que com tanta energia está produzindo este magnífico trabalho multimídia para a "Web" com "Director"?
servovalve
"onde se situa você..." Não estou bem certo de ter entendido... O importante é o que se fez, o que se faz, o que será feito. Creio ser excelente que as pessoas sigam este caminho e trabalhem. Onde nos situamos não é tão importante... Nós moramos todos em Paris... e foi assim que nos encontramos... é tudo e nada ao mesmo tempo.
servovalve Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto
Voltar ao topo da pag.
Co-publicado em fevereiro de 2003, Nova Iorque, Rio, Berlim, Toronto