|
1-
A Infância e o Colégio
Perguntar
a um venerando ancião sobre sua infância é criar
um problema. Parece que foi ontem, eu sei, só que não
me lembro de mais nada, apenas que foi confortavelmente burguesa.
Mas sei do interesse da sua pergunta, que é se o artista
se forma cedo na vida e como isto teria acontecido comigo. Posso
dizer que desde que me entendo tive interesse por artes em geral.
E que os desenhos que eu fazia davam um certo retorno, a família
elogiava, os colegas gostavam. Garatujas gratificantes que com o
correr do tempo foram me indicando caminhos. Talvez aquela história
da boa semente no terreno fértil. Mas as plantas que assim
nascem precisam de muito trato. Gostaria que a minha tivesse se
tornado um frondoso jacarandá, mas saiu apenas um cacto.
Parece que foi ontem, eu sei, só que não me lembro de
mais nada, apenas que foi confortavelmente burguesa...
Um
dado importante na formação de todo mundo é
o colégio. Aluno mediano tive o privilégio de cursar
um que além de proporcionar muito bom ensino é artísticamente
uma das maiores preciosidades que o Rio de Janeiro tem. Durante
dez anos, do terceiro primário ao terceiro científico,
fui do São Bento. Uma arquitetura grandiosa, uma influência
decisiva.
2-
Os caminhos
Ninguém sabe por que interesses inatos (artísticos,
científicos, empresariais, comerciais, criminosos, etc) aparecem
e desde cedo condicionam os rumos da vida de cada um. São
como régua e compasso, mas sujeitos a ventos e marés
que vão surgindo ao correr do tempo. No caso específico
do artista o interesse que logo desponta é o da expressão,seus
modos e meios. E por aí vão se acumulando experiências
e conseqüências.
No
meu caso isto fica bem claro. Do patamar em que me encontro posso
olhar para atrás e ver uma vida inteira, coisa de quem já
está em fim de linha... E vejo-me desde cedo interessado
em artes em geral. Dentro dessa tendência formei-me arquiteto,
mas sempre com grande atração pelo desenho e pintura.
Dediquei-me à arquitetura, projetei, construí. Nos
vinte e cinco anos de formatura marcou-se uma grande comemoração.
Revi todos aqueles colegas com quem convivi e curiosamente ouvi
de muitos, muitos mesmo, frases do tipo "eu me lembro daquele
desenho que você fez naquele tal dia... " Foi uma espécie
de senha:- Vai, Paulo. desenhar e pintar.
E
assim fui assumindo, numa época em que se falava que a pintura
tinha acabado, não havia mais o que pintar. Nesse contexto
apliquei-me a produzir abstrações, coisas meio construtivistas
meio caligráficas. Tenho boas recordações daquelas
experiências. E digo mais: a primeira vez que me senti um
pintor foi ao terminar uma tela abstrata grande, um ícone
para mim , que hoje está pendurada na melhor parede da minha
sala.
Mais
tarde tive a sorte de estabilizar-me e poder enveredar na carreira
de desenhista e pintor. Tardiamente, mas definitivo. Fui buscar
conhecimento nos cursos do Museu de Arte Moderna, lá estudei
com Aluisio Carvão e fiz boas amizades que duram até
hoje. E já que falei no excelente Carvão não
posso deixar de falar em outros aprendizados anteriores: meu professor
de desenho na faculdade, Ubi Bava, a quem agradeço muito
estímulo e atenção, e o mestre Abelardo Zaluar,
cujo atelier frequentei ainda muito envolvido com a arquitetura.
Três artistas abstratos, três influências fundamentais.
Muitos outras pessoas me incentivaram, muitas descobertas fiz em
museus e livros de arte. Mas meu caminho era mesmo o da figuração.
Reprimida, não demorou a ressurgir com força total.
E vale então lembrar um achado essencial ainda nos tempos
de estudante: os desenhos de Saul Steimberg, que considero um dos
maiores artistas do século que passou.
3-
A Expressão
Venho
me dedicando à figura humana.Aqueles desenhos a que me referi
anteriormente e que desde cedo "davam ibope" eram figuras
humanas, as figuretas. Elas estão sempre presentes no meu
trabalho. Não só porque fazem sucesso, mas porque
a condição humana e os problemas sociais são
minhas preocupações constantes. E a figuração
se impõe para a exploração de tal tendência.
A figura feminina é tema constante na minha lavra, assim
como o é em toda a história da arte. A mulher por
si só já vale ser representada e com seu entorno,
sua indumentária, seus atavios torna-se assunto super atraente.
Sempre
tive também interesse pelo objeto. Trabalhei com resina e fiz
cerâmica. Procurando montar trabalhos andei tentando executar
molduras e passe-partouts. Ao achar um porta-retrato antigo perdido
no fundo de uma gaveta produzia algo para ocupá-lo. Daí
passei a vasculhar as gavetas da família e a percorrer feiras
de antiguidades em busca de porta-retratos. Adoro preenchê-los,
virou uma mania.
E
utilizo tudo nos trabalhos: acrílico, vinil, aquarela, pastel,
lapis de cor, lapis de cera, colagens. O suporte são todas
as variedades de papel e tela que aparecem. No momento estou curtindo
telas de linho aparente, tratadas apenas com gelatina transparente.
4-
A Tecnologia
De
repente algo completamente fora das minhas cogitações
apareceu: o computador. A novidade entrou-me em casa pela mão
de um filho. Interessei-me receoso. Aquilo era coisa muito misteriosa
e não podia imaginar para que me serviria. Era convidado
a mexer nele, mas meu respeito pela engenhoca era grande. Até
que o Jayme comprou um melhor e me passou o velho. Um Mac. Daí
em diante foi rápida a escalada. Troquei a máquina
por outra melhor. Com algumas aulas e muita prática cheguei
a um ponto médio de utilização. Ainda falta
muito, mas colho soluções satisfatórias. Para
desenho gosto muito do Clarisworks, um programa bem simples que
vem com os Macs. Para trabalhar melhor as imagens passo para o Photoshop
e às vezes para o Painter. São incríveis as
possibilidades e resultados. E nada a ver com o trabalho tradicional
com telas e pincel. E aí diferenciam-se dois usos do computador:
a)
estudos para depois serem transformados em quadros,
b) trabalhos para existirem e serem vistos na própria tela
do micro. E é grande a satisfação que tenho
quando vejo em Arte on Line, as figuretas estáticas que produzo
animadas. É uma revelação.
[Fotos:
Marcelo Frazão]
|
----------------
|
|