Regina Célia Pinto e Marcelo Frazão

 
entrevistam PAULO VILLELA
 
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1- A Infância e o Colégio

Perguntar a um venerando ancião sobre sua infância é criar um problema. Parece que foi ontem, eu sei, só que não me lembro de mais nada, apenas que foi confortavelmente burguesa. Mas sei do interesse da sua pergunta, que é se o artista se forma cedo na vida e como isto teria acontecido comigo. Posso dizer que desde que me entendo tive interesse por artes em geral. E que os desenhos que eu fazia davam um certo retorno, a família elogiava, os colegas gostavam. Garatujas gratificantes que com o correr do tempo foram me indicando caminhos. Talvez aquela história da boa semente no terreno fértil. Mas as plantas que assim nascem precisam de muito trato. Gostaria que a minha tivesse se tornado um frondoso jacarandá, mas saiu apenas um cacto.

— Parece que foi ontem, eu sei, só que não me lembro de mais nada, apenas que foi confortavelmente burguesa...

Um dado importante na formação de todo mundo é o colégio. Aluno mediano tive o privilégio de cursar um que além de proporcionar muito bom ensino é artísticamente uma das maiores preciosidades que o Rio de Janeiro tem. Durante dez anos, do terceiro primário ao terceiro científico, fui do São Bento. Uma arquitetura grandiosa, uma influência decisiva.

2- Os caminhos


Ninguém sabe por que interesses inatos (artísticos, científicos, empresariais, comerciais, criminosos, etc) aparecem e desde cedo condicionam os rumos da vida de cada um. São como régua e compasso, mas sujeitos a ventos e marés que vão surgindo ao correr do tempo. No caso específico do artista o interesse que logo desponta é o da expressão,seus modos e meios. E por aí vão se acumulando experiências e conseqüências.

No meu caso isto fica bem claro. Do patamar em que me encontro posso olhar para atrás e ver uma vida inteira, coisa de quem já está em fim de linha... E vejo-me desde cedo interessado em artes em geral. Dentro dessa tendência formei-me arquiteto, mas sempre com grande atração pelo desenho e pintura. Dediquei-me à arquitetura, projetei, construí. Nos vinte e cinco anos de formatura marcou-se uma grande comemoração. Revi todos aqueles colegas com quem convivi e curiosamente ouvi de muitos, muitos mesmo, frases do tipo "eu me lembro daquele desenho que você fez naquele tal dia... " Foi uma espécie de senha:- Vai, Paulo. desenhar e pintar.

E assim fui assumindo, numa época em que se falava que a pintura tinha acabado, não havia mais o que pintar. Nesse contexto apliquei-me a produzir abstrações, coisas meio construtivistas meio caligráficas. Tenho boas recordações daquelas experiências. E digo mais: a primeira vez que me senti um pintor foi ao terminar uma tela abstrata grande, um ícone para mim , que hoje está pendurada na melhor parede da minha sala.

Mais tarde tive a sorte de estabilizar-me e poder enveredar na carreira de desenhista e pintor. Tardiamente, mas definitivo. Fui buscar conhecimento nos cursos do Museu de Arte Moderna, lá estudei com Aluisio Carvão e fiz boas amizades que duram até hoje. E já que falei no excelente Carvão não posso deixar de falar em outros aprendizados anteriores: meu professor de desenho na faculdade, Ubi Bava, a quem agradeço muito estímulo e atenção, e o mestre Abelardo Zaluar, cujo atelier frequentei ainda muito envolvido com a arquitetura. Três artistas abstratos, três influências fundamentais. Muitos outras pessoas me incentivaram, muitas descobertas fiz em museus e livros de arte. Mas meu caminho era mesmo o da figuração. Reprimida, não demorou a ressurgir com força total. E vale então lembrar um achado essencial ainda nos tempos de estudante: os desenhos de Saul Steimberg, que considero um dos maiores artistas do século que passou.

3- A Expressão

Venho me dedicando à figura humana.Aqueles desenhos a que me referi anteriormente e que desde cedo "davam ibope" eram figuras humanas, as figuretas. Elas estão sempre presentes no meu trabalho. Não só porque fazem sucesso, mas porque a condição humana e os problemas sociais são minhas preocupações constantes. E a figuração se impõe para a exploração de tal tendência. A figura feminina é tema constante na minha lavra, assim como o é em toda a história da arte. A mulher por si só já vale ser representada e com seu entorno, sua indumentária, seus atavios torna-se assunto super atraente.

Sempre tive também interesse pelo objeto. Trabalhei com resina e fiz cerâmica. Procurando montar trabalhos andei tentando executar molduras e passe-partouts. Ao achar um porta-retrato antigo perdido no fundo de uma gaveta produzia algo para ocupá-lo. Daí passei a vasculhar as gavetas da família e a percorrer feiras de antiguidades em busca de porta-retratos. Adoro preenchê-los, virou uma mania.

 

E utilizo tudo nos trabalhos: acrílico, vinil, aquarela, pastel, lapis de cor, lapis de cera, colagens. O suporte são todas as variedades de papel e tela que aparecem. No momento estou curtindo telas de linho aparente, tratadas apenas com gelatina transparente.

4- A Tecnologia

De repente algo completamente fora das minhas cogitações apareceu: o computador. A novidade entrou-me em casa pela mão de um filho. Interessei-me receoso. Aquilo era coisa muito misteriosa e não podia imaginar para que me serviria. Era convidado a mexer nele, mas meu respeito pela engenhoca era grande. Até que o Jayme comprou um melhor e me passou o velho. Um Mac. Daí em diante foi rápida a escalada. Troquei a máquina por outra melhor. Com algumas aulas e muita prática cheguei a um ponto médio de utilização. Ainda falta muito, mas colho soluções satisfatórias. Para desenho gosto muito do Clarisworks, um programa bem simples que vem com os Macs. Para trabalhar melhor as imagens passo para o Photoshop e às vezes para o Painter. São incríveis as possibilidades e resultados. E nada a ver com o trabalho tradicional com telas e pincel. E aí diferenciam-se dois usos do computador:

a) estudos para depois serem transformados em quadros,

b) trabalhos para existirem e serem vistos na própria tela do micro. E é grande a satisfação que tenho quando vejo em Arte on Line, as figuretas estáticas que produzo animadas. É uma revelação.

[Fotos: Marcelo Frazão]


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