Regina Célia Pinto entrevista
 
NEIDE SÁ
 
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NEIDE SÁ FORMAÇÃO ACADÊMICA

Pós graduação em Arte Educação em 1983 no Instituto Metodista Benett (RJ) tendo apresentado como tese o jogo didático "Percepção e Leitura Visual." Graduação Programação visual, PUC, RJ: Em 1976, ingressou na PUC - Pontifícia Universidade Católica (RJ) formando-se como Programadora Visual em 1980. Freqüentou cursos livres de Pintura e gravura do MAM e Parque Laje nos anos 70 e 80. Paralelamente à formação acadêmica, tem pesquisado as origens das representações gráficas, utilizando diferentes canais de reprodução das imagens. Tais como: a fotografia, o cinema super 8, a xerografia, o vídeo e o computador.

ATUAÇÃO COMO POETA VISUAL Em 1967 foi fundadora do movimento de vanguarda denominado Poema / Processo onde desenvolveu enorme atividade criativa, editorial e epistolar. Dentro da ação editorial foi uma das fundadoras e responsáveis pelas revistas Ponto 1, Ponto 2, Processo, Vírgula e pelos envelopes Processo 1 e 2 (publicações ligadas ao movimento poema/ processo).

ATUAÇÃO NA CRIAÇÃO DOS LIVROS O interesse pelos materiais levou-a à criação dos livros-poemas ("Livros Vazados") onde a pesquisa com papéis especiais vazados por recortes geométricos criou o processo que tem sido se desdobrado em múltiplas versões, desde 1973 até os dias de hoje. O "livro vazado" é um objeto reproduzível que suporta a informação na sua fisicalidade pelo corte preciso como inscrição da forma. O leitor participante constrói uma nova versão de leitura através do seu manuseio.

RCP: Neide, o que foi o Poema Processo?

NS: O poema processo foi um movimento fundado em 1967, que aconteceu simultaneamente em vários pontos do Brasil: aqui no Rio, no nordeste, em Natal no Recife e em Minas. O Movimento do Poema Processo se desenvolveu de 1967 até 1972 e chegou a ter cerca de 250 artistas e portas participando. Ele era aberto a novos participantes para o que o correio era intensamente utilizado - a arte via correio. Muita gente que faz arte - correio hoje participou do poema processo.

O Poema Processo é aquele que, a cada nova experiência, inaugura processos informacionais. Tem como ponto de partida a Matriz geradora de séries.

RCP: Explique como acontecia este processo.

NS: As primeiras publicações foram editadas em envelopes com as folhas soltas, já então utilizávamos o que hoje se faz em arte-correio. Muitas vezes a carta convite com a proposta para a publicação era enviada e quem tivesse interesse em participar remetia seu trabalho impresso no formato e tiragem previamente determinados. O material que chegava era organizado em envelopes que tinham o nome da edição impresso, como por exemplo na revista "Ponto". A distribuição era feita pelo correio, pois não havia distribuição nas livrarias.

Hoje imaginamos que se o movimento do "Poema-Processo" tivesse acontecido no momento atual, com todas as facilidades tecnológicas realmente teria sido uma coisa fantástica porque nossa preocupação era de criar processos inaugurais. Mas, já naquela época prevíamos as facilidades criativas que adviriam do uso da informática. Havia versões que eram feitas para posterior interpretação pelo computador.

O enfoque no Processo cria dinamismo. O Poema atualiza-se através dos meios de cada época, criando novas versões. Por exemplo, na exposição Memórias, realizada no SESC de Copacabana em janeiro de 1998, foi exibida uma versão do livro "Poemãos", que mostrou as diferentes séries criadas desde 1973 até 1998. O "Poemãos" que mostrei no SESC é tipicamente um Poema- Processo, ali mostrei uma série de imagens em que a mão é o suporte do trabalho. As primeiras imagens do "Poemãos" foram criadas em 73 utilizando recursos da fotográfia; nos anos 80 a pesquisa foi direcionada para explorar os meios de reprodução xerográfica; à partir de 93 comecei a utilizar a recursos do computador, fazendo uso das escritas de antigas civilizações, signos e símbolos. Em 98 passei a utilizar a própria linguagem do computador para criar novas imagens. Surgiu a série dos "Poemãos Escatológicos", onde o processo se fez unicamente com o auxílio das possibilidades criadas através do uso de recursos da computação gráfica. O "Poemãos" não está encerrado, a qualquer momento posso continuar trabalhando, atualizando-o segundo os meios disponíveis, ele nunca se esgota.

RCP: Trabalhando desde a década de 70 sobre essa questão, não existirá a possibilidade de você se cansar?

NS: Sim pode chegar o momento em que eu diga: - Não quero mais fazer isso ! Mas como processo ele pode sempre ser atualizado através de novas versões.

RCP: Neste caso do "Poemãos" não existe uma rede de artistas ou poetas, o processo é apenas você, as suas mãos e o seu caminhar no tempo?

NS : O Poemãos é um processo pessoal que vem sendo desenvolvido por mim , ao longo do tempo tem passando por diversas versões.

Durante o Movimento do Poema / Processo foi criada uma "rede" de artistas e poetas que abriram frentes em vários estados do país . Esse movimento teve um crescimento muito grande, e chegou a 250 participantes trocando experiências através de exposições em vários pontos do país. Contudo, a situação política era muito complicada, as pessoas que viveram naquela época sabiam que três pessoas juntas já era considerado uma reunião subversiva. Nós padecemos bastante com isso. Tivemos alguns confrontos com polícia fechando exposições, outras vezes, tendo mesmo que recebê-la em nossa casa, pois descobriram que trocávamos correspondência com o Chile, e com o Uruguai. Temiam que tivéssemos contato com guerrilheiros tupamaros. No entanto, nossa troca era com o poeta visual Clemente Padin que foi preso naquela ocasião. Eram pessoas que tinham atuação política em seu país mas. O nosso contato era uma troca de informações no campo poesia visual.

RCP: De uma certa forma o "Poema/Processo" antecipou algumas idéias muito comuns hoje: a interatividade, o trabalhar em rede... Como você vê isso?

NS: Com as diversas frentes abertas em diferentes pontos do Brasil trocando informações intensamente, pode-se dizer que já vislumbrávamos a idéia de 'rede ".

A interação e a participação são idéias que estavam intrínsecas no pensamento do "Poema /Processo". O movimento e a dinâmica alcançados de forma artesanal era outra proposta do Poema/Processo.

Hoje isso é tão comum com o uso do software Flash; palavras em movimento, seqüências de imagens e textos.

Um exemplo de trabalho onde prevalecia a interatividade, foi o poema "A Corda" que mostrei na exposição de lançamento do Movimento do "Poema/Processo". A "Corda foi reapresentada no Rio, Museu de Arte Moderna (1969), Arte no Aterro e na Bienal de Veneza (1978), com amostragens atualizadas. As imagens eram retiradas da mídia, como um levantamento estatístico do que a mídia divulgava. Pela amostragem levantada pode-se perceber que a mídia fala sempre das mesma coisas a cada momento. Numa época em que não se podia mostrar opinião própria... mas as palavras estavam na imprensa ... O poema A Corda estimulava público a participar criativamente, formando novos textos ( versões ), pendurando numa corda imagens e palavras retiradas dos jornais e revistas, juntamente com alguns objetos, como embalagem de anticoncepcionais, soutiens, etc. Assim o público participante podia expressar suas idéias . O objetivo era fazer do ato de participar um ato de reflexão - Considero que essa era a minha atuação política.

RCP: Havia um grupo aqui no Rio trabalhando com o Poema/Processo?

NS: Sim, Álvaro de Sá, eu mesma, Vlademir Dias Pino, Moacy Cirne, Nei Leandro. Contudo, a partir de 72 o grupo foi dissolvido por problemas causados pela situação política do país. Criamos um manifesto de lançamento e posteriormente fizemos um manifesto de encerramento, com a seguinte idéia: hoje o grupo não existe mais, o processo porém vai existir sempre.

RCP: E o livro de artista, surgiu junto com esses fatos ou foi posterior?

NS: Vamos por ordem: As obras criadas pelos poetas processo não tinham compromisso com suportes formais ou estilísticos, por isso a produção de livros de artista pôde acontecer simultaneamente às colagens, cartazes, filmes, poemas objeto e etc Alguns poetas do movimento produziram livros de artista no período do movimento. Foram produzidos livros de artista, livros poemas, livros objetos e livros obras. Esses "livros" eram criados à partir de uma matriz que gerava as séries.

Posso falar da minha trajetória na produção de livros de artista e livro objeto durante o movimento do poema/processo e depois como artista pesquisadora.

O primeiro livro de artista que fiz foi em 1969, não o tenho mais, está na Itália. Nessa época trabalhava com experiências em fotografia e havia grande interesse em transformar as imagens. O que faço atualmente com o programa de edição de imagens tentava de forma rudimentar na fotografia. Nessa época criei a série de livros de artista "Onomatopéias". Aplicava letras adesivas sobre placas transparentes, trabalhava o processo de revelação sobre papel fotográfico. Resultava um livro preto com diferentes camadas de revelação que mostrava vestígios do vazado das letras. É muito interessante !

Em 73 comecei a criar os Livros- Objetos

O que caracteriza o Livro Objeto é a sua apresentação como corpo físico, como objeto, de tal maneira que o poema somente existe porque existe o objeto (livro) . A finalidade do papel é parte integrante do poema: o livro gera informações através de seu processo.

O Livro Objeto exige a exploração simultânea ou isolada de: transparência/opacidade; perfuração/relevo; vinco/dobras; brilho/cor; corte/desdobragem; elasticidade/flexibilidade; textura/dureza. E, como organização de livro a exploração da capa; níveis e profundidade; inter-relação do material da folhas; posicionamento formal e ajuste.

Esses objetos estéticos, são livros de imagens, que têm em comum, o fascinante jogo de formas capaz de mobilizar a imaginação e fantasia do operador. A leitura visual se dá através da atuação do público participante, que alterando a posição e seqüência dos cartões coloridos, páginas, cria novas disposições visuais, de acordo com o repertório e a opção pessoal.

Do manuseio dos cartões, emergem em diferentes níveis, inúmeras formas coloridas,

sendo possível a variação de leitura visual, de acordo com a posição e perfuração das páginas subsequentes.

Era como um jogo, algo lúdico. Naquele momento, a situação política do país era muito difícil, por isso tinha certa culpa de ficar trabalhando horas com quadradinhos. Um amigo me apresentou o Tangrama são aqueles jogos chineses que têm cerca de 3000 anos, também chamados de tábuas de sabedoria. Através do Tangrama básico pude perceber a importância da participação e atuação do público. Conclui que a atuação é mais eficaz do que um discurso odiento cheio de chichês. Não sei quantas versões de livros vazados fiz, e, ainda continuo a fazê-las. Acredito que a foram mais de 150.

POEMÃOS é um processo criativo que começou a ser registrado em 1970, na imagem que integrou "A Caixa" com as mãos que a seguravam e que metaforicamente a fizeram. Tomou vulto e tornou-se um processo autônomo a partir de 1976, época em que trabalhei pela primeira vez a forma da mão como signo base de uma série de poemas.

POEMÃOS é trabalhado com os instrumentos da época em que é realizada a versão. Em 1978 os meios utilizados foram a fotografia e o fotograma; em 1983 foi usada a colagem de cópias eletrostáticas como forma de expressão. Em 1995 foi introduzida a cópia eletrostática colorida. A partir de 1996, as versões começaram a ser elaboradas com recursos da computação gráfica.

"POEMÃOS" é um processo inacabado porque em permanente atualização. Ele mesmo deixando como rastro as suas versões anteriores.

Ultimamente venho produzido no computador a série de livros de artista Arqueologia do Grafismo. Estou rastreando o percurso do homem primitivo para chegar às escritas e as formas gráficas através da observação da natureza. Eles desenvolveram um olhar que nós perdemos, mas o computador nos oferece a possibilidade de chegar às estruturas mais simples da natureza e depois rearticulá -las. Assim tenho criado essa nova série de livros de artista.

RCP: Você pretende utilizar as tecnologias de multimídia e de Internet: som, imagem e movimento no computador nos seus próximos livros?

NS: A série de livros vazados satisfaz a questão de participação do público, que é uma característica marcante no meu trabalho.

Com relação aos trabalhos produzidos no computador penso as imagens de forma dinâmica. Sei que alguma coisa vai surgir, porque os impressos que saem do computador, quando colecionados em livro, não estão me satisfazendo completamente, por melhor que seja a qualidade do papel.

Além do que sinto falta de uma participação interativa. Fico me questionando como vou fazer o público interagir e participar ativamente nesses trabalhos.

Tenho, no computador cerca de 15 livros da série Arqueologia Grafismo, em processo criativo. A minha tendência nesses "livros" é usar a própria tela do monitor como suporte; quero dar uma fatura virtual. No momento vou imprimindo e mantenho as folhas soltas dentro de caixas em formato de capa.

Nós já estivemos juntas na experiência do "ôuanarte" e vimos que é possível a interação do público. Muitas vezes vai além do que se imagina...

Conversando com você estou visualizando essa possibilidade de participação. Com a interatividade e o movimento os trabalhos vão ganhar dinâmica, para chegar exatamente à estrutura das linhas. Articulá-las para trabalhar com a estrutura das folhas das plantas, com a malha que fazem, uma verdadeira teia geométrica fractal Depois dessa conversa ficou claro para mim que o caminho é utilizar as tecnologias de multimídia e de Internet, principalmente a interatividade e o movimento no computador, em meus próximos livros.

Arte para mim é um grande aprendizado.

* O "ôuanarte" foi uma experiência lançada em 1998, por seis artistas plásticos cariocas onde a proposta era enviar disquetes com imagens feitas no computador para quem quisesse modificá-las, devolvendo ao grupo o resultado obtido para que fizesse parte de uma grande exposição que se realizou em 1999, na Galeria do SESC de Copacabana. As seis imagens do grupo também estiveram à disposição na Internet para todos que quisessem intervir nelas.

[Foto: Regina Célia Pinto]

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