Gostaria
de apresentar a Bibliotheca das Maravilhas. Com esse projeto interessa-me
examinar, entre outras coisas, o impacto cultural e as possibilidades
criadas pelo computador enquanto máquina capaz de produzir livros
e bibliotecas. A
Bibliotheca das Maravilhas é uma coleção de "livros
de artista" na web. Esses livros são narrativas eletrônicas
que utilizam várias mídias e processos: imagem, som, texto,
movimento, jogo, simulação, programação,
interatividade, ou a sua simulação.
A biblioteca que começou a ser formada em 1999, possui cinco
volumes: o "O
Branco e o Negro, reflexões sobre a neblina" (1999)
- , o "Livro
de Areia" (2001), "O
alienista, a Net.art / Web.art e outras histórias" (2002),
"Novíssima
Canção do Exílio: Virtualidade Sabiá"
(2003), e o último volume: "Olhar
Axolotes"(2004), para o qual gostaria que voltassem a sua atenção,
melhor dizendo, o seu olhar... Minha pesquisa tem sempre o OLHAR como
ponto de partida. Seja esse o olhar sobre a neblina (1999), o olhar
horrorizado (2001), o olhar sobre a loucura (2002), o olhar sobre a
cultura (2003) ou o olhar sobre os axolotes, que examina mais uma vez
o olhar sobre a neblina ou a impossibilidade de ver com clareza, mas
com um outro enfoque (2004).
De acordo com Merleau-Ponty, o mundo é o que vemos, e, no entanto,
precisamos aprender a vê-lo. Nesse sentido, minha principal ocupação
de todos os dias é a de aprender a ver. Todavia...
Cada
um vê o mundo à sua feição e assim o diálogo
Eu X Mundo difere de pessoa para pessoa. Podemos exemplificar melhor
através da metáfora das cores: _Com quem estará
a verdade, com os daltônicos que enxergam o verde > vermelho
e vice-versa ou com os ditos seres normais que vêem o vermelho
> vermelho e o verde > verde? Com os últimos porque eles
são a maioria? ... Dizem que alguns animais enxergam o mundo
apenas em preto e branco. De que cor veria o mundo um extraterrestre?
De que cor afinal é o mundo se as próprias cores são
simples classificações?
Parece que estabelecemos um impasse: _ A realidade é possível?
Seria possível, como sugeriu a Fenomenologia, a Arte tornar visível
o que não é visível? A Realidade não seria
sempre uma Fantástica Fantasia?
E
as novas mídias? E as novas narrativas?
Os pixels se iluminam e surge a legenda: "Olhando Axolotes... "
Refaz-se no mundo a magia de uma narrativa, e, imediatamente, cada um
se investe da atitude apropriada para acompanhá-la: a "visão"
do sujeito espectador (com toda a sua cegueira) e o olhar que emana
do objeto-livro eletrônico (com toda a sua malícia) batem-se
no duelo de interpretação, simulação e interatividade.
Uma mulher que de tanto amar ou de tanto olhar, transforma-se em axolote.
"O sonho é um ponto de vista. É um lugar de onde
se vê. O pesadelo é um jeito de encarar o mundo nos olhos
de quem sonha". Ou seja, os sonhos nos permitem vislumbrar alteridades,
enquanto nos pesadelos encontramos o medo que o "outro" pode
nos despertar. No mundo ficcional, o narrador é esse sujeito
capaz de guiar um olhar para o ponto de vista do sonho, enquanto, simultaneamente,
reverte esse olhar para o pesadelo de entrar no aquário, mundo
aquático desconhecido. Atitude essa que pode provocar a suspensão
da cegueira que é inerente a cada olhar, permitindo-se que este
possa distanciar-se, reflexivamente, para ver-se enquanto olha ou não...
São
essas algumas reflexões que surgem para quem examina atentamente
"Olhando Axolotes", baseado no Realismo Fantástico
do escritor argentino Julio Cortazar e na Dúvida de Flusser -
Filosofia e Literatura, do ensaísta brasileiro Gustavo Bernardo.
>Olhar
buscando outro olhar... Pode a imaginação estabelecer
mundos além da realidade? O que será real? Não
real? Ou virtual? Mulher de areia abre os olhos, mostra o riso...
>"As
lagartixas de Escher saem do papel para invadir a mesa.
Tais lagartixas são verossímeis: a sua cabeça é
verdadeira, seu rabo é simulacro. São quimeras."
>Toda
imagem é um embuste como um dragão esculpido na areia?
Sensível realidade visual ou tangível realidade virtual?
Realidade virtual é mais atraente do que a própria realidade?
Dragão tatuado nos bites... Como sair do aquário para
conhecê-la sem sufocar por falta de ar... Como entrar no aquário
para conhecê-lo sem sufocar por falta de ar...
>"Após
quinhentos anos de tipografia, cento e cinqüenta anos de fotografia,
um século de cinema e cinqüenta anos de televisão,
a programação da realidade atinge a sua maturidade. Os
consumidores vivem vidas roteirizadas, com máquinas criadoras
da realidade antecipando cada um de seus movimentos. O fenômeno
é tão forte que cada indivíduo é constituído
na realidade por dois corpos: um real e outro fictício (moldado
pela informação recebida)." 1
>Nessa nova estrutura, como será possível alterar os
feixes de imagens que falseiam a realidade? Será essa "realidade"
desejável?
Os novos revolucionários poderão ser, então os
"imaginadores", os que fazem ficção assumindo
que a fazem, quer sejam artistas, escritores, fotógrafos ou programadores
de softwares - gente que recupera o prazer silencioso de todo artesanato,
combinado ao prazer estimulante do jogo? Remover ou enxergar através
das neblinas - qual será a tarefa deles?
>"A humanidade está dividida em dois tipos: os que gostam
e os que não gostam da luz difusa. Os fãs das histórias
misteriosas e os que resolvem palavras cruzadas. Os profundos e os iluministas.
Os inspirados e os desconfiados. Os que estão interessados nas
diferenças pelas quais as coisas se distinguem. Em suma, os metafísicos
e os fenomelogistas. O primeiro tipo procura enxergar pela neblina e
o segundo procura removê-la."2
>A
que tipo você pertence?
Referências
Bibliográficas:
1 BERNARDO, Gustavo. A dúvida de Flusser - filosofia e literatura.
São Paulo, globo, 2002.
2 FLUSSER, Vilém. Os Gestos - Naturalmente, apud Bernardo Gustavo.
A dúvida de Flusser - filosofia e literatura. São Paulo,
Globo, 2002.