A
obra poética de Philadelpho Menezes constitui uma importante contribuição
ao desenvolvimento da poesia experimental, não só latino- americana,
mas também mundial. Ela completa e culmina a construção
originada com o advento da Poesia Concreta brasileira (1956), selando-a
com a Poesia Intersignos que vem sendo criada desde os anos 80. É
a cereja que coroa a torta. A poesia concreta constituiria a base, o poema
semiótico, o segundo piso, o Poema/Processo o seguinte e, finalmente,
a Poesia Intersignos. No meu conceito o caminho é o seguinte: o
concretismo literário de tendência matemático-espacial de
Wladimir Dias-Pino, desde seus poemas A Ave (1954) e Sólida (1956)
até os poemas "espaciais" (1962) que originaram o poema semiótico,
o Poema/Proceso (1967), lançado no Río de Janeiro e, por último,
a Poesia Intersignos de Philadelpho Menezes (1980).
Como
no Poema/Processo, a Poesía Intersignos propõe "retirar do signo
verbal a exclusividade na exploração da matéria
prima poética" (Menezes,1987). Para Wladimir Dias-Pino, a palavra é
o signo de uma das linguagens que pode ser utilizada na expressão
poética, porém não é único nem é excludente:
"...o Poema/Processo não pretende terminar com a palavra...o
que o Poema/Processo reafirma é que o poema se faz com o processo
e não com palavras..." (Wladimir Dias-Pino, 1971).
Segundo
Menezes, se pode "definir sumariamente à Poesía Intersignos como
aquela em que os signos visuais e verbais, cada qual com sua carga semântica
própria, atuam conjuntamente na produção do sentido
do poema" (Philadelpho Menezes, 1987). Assim, marca suas diferenças
com a chamada "Poesia Visual" que se vale da dimensão plástica
da linguagem (a linguagem não só se "lê" mas também
se "vê"). Sustenta que no poema visual os elementos plásticos
não se integram ao significado total do poema mas que atuam como
elementos de confusão, de "ruído" para gerar a maior ambigüidade
possível. Também podem estar na função de
colocar em relevo (la "mise en relieve") ou de reforço da expressão
verbal, à maneira dos poemas ilustrados ou os "carmina figurata"
latinos ou os "Pattern Poems" como os define Dick Higgins (1987) onde,
na grande maioria dos casos, as duas formas de expressão, a verbal
e a visual, podem separar-se sem perda de informação poética,
o que é impossível no poema intersigno. Menezes retoma
o programa da poesía concreta histórica: a construção
racional dos signos interatuando na formação do sentido,
mediante processos de composição "precisos", quase esquemáticos,
ao contrário das tendências mais relevantes na poesia visual,
oriundas da colagem e da disseminação semántica.
O
distanciamento com a Poesía Visual é notório. Compara
ambas as formas, o poema visual e o poema intersignos, com a colagem
cubista e a montagem cinematográfica: o primeiro é imotivado,
livre e não pretende formulações semânticas
claras mas ambíguas, o segundo propõe a articulação
visual e verbal (e sonora, numa segunda etapa) que faça possível
a apreensão de significados precisos ainda que sua conceituação
seja complexa.
Posteriormente
em ROTEIRO DE LEITURA: POESIA CONCRETA E VISUAL, 1998, ao caracterizar
à Poesía Visual, fala de que, fundamentalmente, existem três
manifestações: o poema-embalagem, o poema-colagem e o
poema-montagem. O poema-embalagem se caracteriza por una volta ao texto
e ao verso ainda que, devido as sofisticadas possibilidades dos novos
tipos gráficos e outros recursos, é possível falar, ainda,
de integração expressiva na visualidade. O poema-colagem,
tem sua origem na técnica artística descoberta pelo Cubismo que tirava
os signos de seu ambiente habitual e os colocava em outros gerando ambigüidade
e proliferação de sentidos. O poema-montagem, ao contrário
dp poema-colagem, ao reunir dois signos de diferentes linguagens geraria
não múltiplas representações mas uma ou duas representações
na mente do "leitor".
Um
importante apoio à sua teoria é a "montagem", técnica
expressiva descoberta pelo cineasta soviético Serguei Einsentein, entendida
como a integração das áreas visual, verbal e sonora no
filme. Sua admiração por Einsentein fop tal que chegou
a chamar à Poesia Intersignos como "cine estático". A montagem
é um "processo de justaposição" de dois ou mais
elementos expressivos que "se combinam en um novo conceito, em uma nova
qualidade (...)" (Serguei Einsentein, 1944). Essa "nova qualidade" se
origina na instância superior do poema que se formas na mente
do "leitor". Na terminologia de Charles Sanders Pierce, o poema se constituiria
no representamen que, na interpretação posterior do "leitor",
se transforma em "outro signo" ao que chamou interpretante. Menezes
chama "sentido do poema" a esse supra-signo.
A
ninguém escapa que essa integração (o visual, o
verbal e o sonoro que tão bem expressou James Joyce com seu conceito
de "verbivocovisual") só seria possível num futuro próximo
através dos descobrimentos da técnica, quer dizer, o vídeo e,
sobretudo, a multimídia. Assim não foi casual seu CD Rom
POESIA INTERSIGNOS onde retoma seus poemas bidimensionais como MÁQUINA
e REVER e os reelabora através das novas possibilidades expressivas
desse meio, incluindo a chamada quarta dimensão tecnológica,
o "hipertexto". Assim o expressava em seu texto anterior UMA ABORDAGEM
TIPOLOGICA DA POESIA VISUAL que abria o catálogo da I Mostra Internacional
de Poesia Visual de São Paulo, organizada por ele em 1988:
"Se
criaria uma articulação formal entre verbalidade, visualidade
e sonoridade que produziria uma montagem superconductor onde a comunicação
exigiría do observador un integral aproveitamento dos sentidos, em função
da decodificação da hipótese de leitura do poema".
Fruto
destas idéias é o CD Rom INTERPOESIA (1997- 98) realizado
conjuntamente com Wilton Azevedo, onde se destaca como um excelente
operador de linguagens multimídias de última linha, onde o componente
visual se une indissoluvelmente ao componente verbal em um tipo de "intermídia"
segundo a caracterização de Dick Higgins: "Uma real interação
formal e semântica entre diferentes linguagens, e não puramente
sobreposição acumulativa."
Também pode ser destacada sua atuação no redescobrimento
da Poesia Sonora, sobretudo na América Latina, onde este gênero
tem tido muito poucos adeptos. Assim como a poesia visual se vale das
possibilidades pictóricas ou espaciais das letras e palavras, a poesia
sonora ou fônica se vale das possibilidades expressivas dos sons
e articulações vocais que fazem possível a dimensão
sonora da linguagem verbal. A poesía fônica flutua entre a música
e a literatura, entre a experimentação fono-verbal e o
jogo glossemático *. Sua origem remonta a do gênero humano e,
até a aparição das técnicas de gravação
eletrônicas, se refugiou, escrita, na poesia visual, dando nascimento
ao que hoje se denomina poesia fonética. Logo nos anos 50, com a aparição
da fita eletromagnética, a poesia sonora se diversificou notavelmente,
em virtude do amplo leque de possibilidades que oferecía o novo meio
e, com o advento da tecnologia digital e da multimídia, essas
possibilidades aumentaram.
Fruto
dessas investigações é a compilação
POESIA SONORA: POéTICAS EXPERIMENTAiS DA VOZ NO SECULO XX (1992)
que reúne os ensaios mais importantes e valiosos em relação
â poesia da voz e ao grupo de seus mais importantes adeptos. Este
livro se complementa com o CD Rom POESIA SONORA: DO FONETISMO AS POÉTICAS
CONTEMPORÂNEAS DA VOZ (1996) que, além de uma seleção
de poesia sonora dos poetas "históricos" do movimento, nos traz os próprios
poemas sonoros de Menezes e de outros poetas brasileiros.
Também
é autor de un livro capital sobre poesia experimental contemporânea:
POÉTICA E VISUALIDADE (Campinas, SP, Brasil, 1991) que, logo,
foi traduzido por Harry Polkinhorn e editado pela Universidade de San
Diego, California, USA, en 1994, sob o nome de POETICS AND VISUALITY.
Ali, se constata e reafirma o carácter decisivo que teve, na poesia
de nossos dias, a aceitação das distintas dimensões
da linguagem para alcançar finalmente uma concepção
"sem barreiras" da Literatura, não só limitada ao "verbo divino"
(ou à semanticidade do signo verbal) mas voltada à totalidade
da experiência humana, em todas as suas manifestações,
sem que a poesia perca sua especificidade frente às demais disciplinas
artísticas.
Nota
da tradução
*
Glossemática é a teoria da linguagem elaborada pelo lingüista
dinamarquês Louis Jelmslev, segundo a qual a língua deve
ser estudada com um fim em si mesma, livre de considerações
fisiológicas, sociais, literárias, etc.
Bibliografía
citada
Philadelpho
Menezes - POESIA INTERSIGNOS, Timbre, Sao Paulo, Brasil, 1985.
-----GUIA
PARA LA LECTURA DE LA POESIA INTERSIGNOS, en compilación de César Espinosa
Signos Corrosivos, Ed. Factor, Ciudad de México, México,1987
-----UMA
ABORDAGEM TIPOLOGICA DA POESIA VISUAL, in catálogo I Mostra Internacional
de Poesia Visual de São Paulo, Nobel, São Paulo, Brasil,
1988
-----POÉTICA
E VISUALIDADE (uma trajetória da poesía brasileira contemporânea),
Editora da UNICAMP, Campinas, Brasil, 1991
-----POESIA
SONORA: POÉTICAS EXPERIMENTAIS DA VOZ NO SÉCULO XX, Ed.
EDUC, São Paulo,Brasil,1992
-----BRAZILIAN
VISUAL POETRY, en revista Visible Language, vol. 27, nr. 4, Rhode Island
School of Language, Providence, USA, 1993
-----POETICS
AND VISUALITY, Universidad de San Diego, California, USA, 1994, Trad.
Harry Polkinhorn.
-----O
EXPERIMENTALISMO POÉTICO MODERNO (Poesia visual: em busca da
arte atual), capítulo V do livro A crise do passado. Modernidade, vanguarda,
metamodernidade, Ed. Experimento, São Paulo, Brasil, 1994.
-----ROTEIRO
DE LEITURA: POESIA CONCRETA E VISUAL, Editora Atica, Sao Paulo, Brasil,
1998
-----POESIA
INTERSIGNOS (Do impresso ao sonoro e ao digital), en catálogo homónimo,
Paço das Artes, Sao Paulo, Brasil, 1998
Serguei
Einsentein - EL SENTIDO DEL CINE, Ed. Lautaro, Buenos Aires, Argentina,
1944
Dick
Higgins - PATTERN POETRY, State Univ. of New York, New York, USA, 1987
Wlademir
Dias-Pino - A AVE, Igrejinha, Cuiabá, Brasil, 1954.
-----POEMA
ESPACIONAL, ed. del autor, Rio, Brasil, 1957.
-----SOLIDA,
ed. del autor, Rio, Brasil, 1959-62
-----PROCESSO:
LINGUAGEM E COMUNICAÇAO, Vozes, Rio, Brasil, 1971.
CD
Roms
Phjiladelpho
Menezes - POESIA SONORA (do fonetismo às poéticas contempoâneas da voz),
LLS, Univ. Catolica de Sao Paulo, Brasil,1996.
Philadelpho
Menezes y Wilton Azeredo - INTERPOESIA ( Poesia Hipermidia Interativa),
PUC-SP y Univ. Presbiteriana Mackenzie, 1997 - 98.
Escrito
para Enzo Minarelli y su número de homenaje a Philadelpho Menezes, Montevideo,
Uruguay, Diciembre, 2000