"Para cada uma dessas criaturas, eu tento abordar uma certa essência de ser. Um modo de ser de qualidade diferente para cada uma delas. E, para isso, eu me concentro em sua dinâmica, no seu movimento, nas formas que tomam sua motivação na sua realidade."
                      Antoine Schmitt

ANTOINE SCHMITT Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto

No que diz respeito à programação e criação de entidades "on-line", o trabalho de Antoine Schmitt (Paris) é verdadeiramente notável.

"Avec determination" é um estudo minimalista de movimento vivo através de programação. Dependendo do humor com que é percebido, pode-se ter direito a um show.

O trabalho do Schmitt se limita praticamente ao código, exceto por algumas linhas gráficas envolvidas. Imagino que existam muitas centenas de linhas de código para cada uma das linhas gráficas. A importância maior é colocada mais no aspecto artístico do que no software.

Ao terminar esta leitura é importante ler o texto de Schmitt sobre "Avec determination". Eis o último parágrafo:

"Para cada uma desas criaturas, eu tento abordar uma certa essência de ser. Um modo de ser diferente para cada uma delas. E para isso, me concentro na sua dinâmica, no seu movimento, nas formas que tomam a motivação na sua realidade. A função da imagem é nos permitir apreender o seu modo de ser. A interação, ela mesma, é somente um laço mínimo entre a realidade delas e a nossa. Para cada uma dessas criaturas, sua presença, se ela se manifesta, deriva de uma sutil relação entre a motivação, as formas e as forças do aleatório, do corpo e do universo."

Ele é apaixonado e devotado a essa mistura de filosofia e arte vivamente encarnada. "Avec determination" foi , acredito, feito em 2000.

O que nós vemos na citação acima, em outros de seus textos , e no trabalho propriamente dito é uma apresentação muito articulada da confluência de programação e arte. O filósofo, artista, e programador / matemático estão presentes em Schmitt—uma combinação rara.

Schmitt é um programador de alto nível. Ele também criou um "Xtra" para "Director" chamado "asFFT" ("Fast Fourier Transform") que permite que peças em "Director" respondam a sons que você toca através de seu computador, seja com a ajuda do "Winamp" ou do seu microfone ou de qualquer outro meio. Você pode fazer o "download" e instalar esse "Xtra" e então experimentar algumas das peças que utilizem "FFT Xtra". Essas incluem a "Venus #1" de Schmitt, a qual se move com qualquer música que for tocada no seu computador. No site de Schmitt também existem "links" para o trabalho de outras pessoas que têm utilizado o seu "FFT Xtra".

Na minha máquina, que é um humilde 400 MHz Pentium II, a sincronização não é instantânea, mas eu presumo isso ocorra em máquinas mais rápidas.

O "asFFT Xtra" é bastante intrigante mas o que eu tenho visto feito com ele até agora é tão interessante como uma lâmpada de lava. Necessita trabalho; provavelmente realização artística versus programação. As reações visuais não são vivas, dramáticas, ou possuem alma.

Oops, não: não é o caso de colocar realização artística versus programação. As duas estão indissoluvelmente fundidas no trabalho do Schmitt—isto é parte do que ele está nos contando. E é uma coisa interessante sobre o seu trabalho. Se nos perguntarmos de que maneira é possível deixar as coisas mais vivas, vemos que isso tem a ver com a maneira como o "Director" reage ao som e o jeito como ele responde amplamente ao som tem a ver mais com a maneira de programar do que com o aspecto visual da criatura ela mesma, certamente a aparência é geométrica, e estará altamente ligada ao código, como ele indica no seu "statement" quando diz:

Uma vez que esse corpo e esse universo físico são postos no lugar, eu dou ao corpo músculos, que são as forças que agem sobre os elementos do corpo, uns em relação aos outros. Essas forças também são encarnadas (se implementam) em algoritmos agindo no imediato, em tempo real.

Você pode ver a relação entre seu projeto "asFFT " e "Avec determination": ambos estão preocupados com movimento vivo, embora de maneira diferente, e esse é um tema que atravessa uma boa parte de sua arte e pesquisa, de forma cuidadosa e excitante, como programador / artista. O trabalho está em curso, em desenvolvimento.

Ele compartilha um interesse com Durieu no que diz respeito a entidades em arte programada. Assim, "Oeil Complex" e "Zoo creatures", de Durieu surgem logo em nossa mente. O movimento dessas criaturas é crucial para o seu aspecto vivo, a qualidade de sua presença. Schmitt também está interessado na precisão do movimento, e na reação a uma situação particular, graças a uma programação adaptada. É realmente apenas através do detalhe de cada movimento que a personagem emerge com sutileza e poder. Existe com freqüência uma rivalidade amigável entre duas pessoas com interesses similares, ambas envolvidas em altos vôos. Seria o caso entre eles? Difícil de dizer, talvez...

A estética de Shmitt , como se pode ver, é minimalista. Nisto ele compartilha mais com servovalve do que com Durieu. Durieu e Schmitt são provavelmente igualmente hábeis no que diz respeito à programação e à engenharia. Schmitt, em determinada época, trabalhou para "NexT" como programador. Durieu é mais inclinado para a parte gráfica, Schmitt para a representação esquemática ou minimalista. Schmitt escreve com a intensidade filosófica e literária do sofrimento. Durieu é como Wallace Stevens. "Le ciel est bleu". "The sky is blue". O céu é azul. O Imperador do Sorvete. Durieu parece mais influenciado poeticamente pelos letristas franceses e pela poesia visual do que por, oh, Schoppenhauer, digamos, Lacan, ou algum outro filósofo complexo que podemos imaginar que Schmitt tenha devorado. O trabalho de Durieu é lírico num sentido, uma canção poderosa e alegre, poesia da mente com surpreendente estrutura programada matematicamente, enquanto que o trabalho de Schmitt é meditação numa forma diferente, ao estilo de Becket, ou de Duchamp, mas não menos informada em programação e talvez mesmo em matemática.

Idealmente, eles se motivam e inspiram mutuamente em direção a grandes alturas. Eu estaria surpreso se não estivesse seguro ao dizer que eles são os dois principais artistas intelectuais franceses. Acho que ambos são realmente surpreendentes.

Sua programação está a serviço da arte, da poesia, da síntese, mas também a serviço da criação de entidades que possuem seu próprio comportamento, que são semi-autônomos no sentido de que são animismos, sistemas silenciosos dotados de alma, máquinas feitas de palavras, reagindo ao seu meio ambiente de suas próprias maneiras. Como obras de arte mas também como entidades semi-autônomas e com vida. Nesse sentido, Durieu e Schmitt estão percebendo o potencial da programação orientada a objetos de um jeito positivo, insuflando espírito naquilo que é freqüentemente voltado para a criação de armamentos assustadores e sem alma.

É importante saber a diferença. A programação e a matematicalização da sociedade continuará. É importante ver como as criações da programação orientada a objetos podem ser animadas pela esperança e generosa utilidade para o benefício da humanidade.Se nós compreendermos a diferença, se compreendermos como elas podem ser plenas de vida, nós teremos mais chances de ser capazes de reconhecer o inverso—e de não aceitá-lo e de questionar por alguma coisa em benefício da humanidade, algo que contenha mais respeito por nós mesmos e pela dignidade humana.

Durieu e Schmitt, como os outros membros desse grupo informal, estão produzindo arte para a "web", a partir de Paris. O trabalho de qualidade de todos esses artistas é surpreendente, mas a presença entre eles de artistas-intelectuais da ordem de Durieu e Schmitt é ainda mais inacreditável e indica que começamos a encontrar na "web" a melhor arte do mundo. Não somente neste ou naquele indivíduo isolado, mas em larga escala, tal como esta que vemos em Paris neste momento.

Não é muito difícil de perceber que a confluência das artes, das mídias, da programação e da matemática possui uma forte atração para as mentes interessantes e pessoas criativas. Isso continuará e, com isso, o crescimento da arte na "web" acontecerá, não só dentro do mundo da arte mas para um público muito maior.

Eu espero ansiosamente para ver que outras entidades Schmitt está planejando. Seu site é "gratin.org/as". Pode-se reparar na sua generosidade ao se navegar pelo "link" abreviado: gratin.org; ele conduz não apenas ao trabalho do próprio Antoine, mas para uma fascinante coleção de "links" "dedicada às formas de arte construídas com algoritmos como matéria primeira. Tão atuais e, no entanto, tão clássicas."

Você quer ver arte francesa apaixonante e de altos vôos no computador? Eis o endereço.

  Entrevista
Andrews
Seu trabalho "avec determination" é notável por sua vida e autonomia minimalista.Quanto tempo você trabalhou nessas peças?
Schmitt

Os algoritmos que se escondem atrás de "Avec determination" são muito complexos. Eu os concebi para minha peça "Venus #1", em 1998, e isto me ocupou mais ou menos uma semana . Eu os utilizei depois como base para as peças de "Avec determination" (adicionando determinação) assim como para a peça "perls" da série "avec tact". Para criar cada uma das peças de "Avec determination", eu levei de uma hora a algumas horas. O tempo depende sobretudo do meu estado de espírito.

Andrews
Que assuntos você abordou ao criar essas peças?
Schmitt
A essência de ser dotado de um corpo. Todo o meu trabalho trata do porquê do movimento das coisas (deste modo), as forças atrás dos movimentos, a tensão pelo que vai se passar ... no caso de "Avec determination", a tensão é entre o desejo de se estar de pé e as dificuldades para fazer isto, uma questão que é ao mesmo tempo metafórica e desesperadamente física.
Andrews
Você utilizou este trabalho em outro lugar ou tem planos futuros para ele? É um trabalho que está continuando?
Schmitt
"Avec determination" é um trabalho contínuo. Criei essas criaturas sofredoras como uma maneira de tirar qualquer coisa de mim mesmo. Comecei essa série em 2000 e terminei a última delas em fevereiro de 2002.
Andrews
Eu amo sua seção "About" de "Avec determination". Ela é apaixonada e artístico-filosófica, Antoine! Eu tive a impressão que indicava um trabalho contínuo.
Schmitt
Tenho muitos temas para exploração em curso. A série "Avec determination", a série de "nanoensembles", o tema "Vexation 1". Para todos eles, eu crio um contexto , e tento fazê-los surgir de lá.
Andrews
Conte-me a respeito de "asFFT Xtra for Director". Quando você o fez?
Schmitt

Eu o fiz em 1998, para minha peça "Venus #1". Eu queria uma criatura que se movesse com música, para amigos que faziam um concerto (entre eles Jean-Jacques Birgé, co-autor de muitas peças de Nicolas Clauss e algumas de Frédéric Durieu). Eu desejava que os movimentos fossem complexos, embora relacionados à música. Foi quando eu criei ambos "asFFT Xtra" e os algoritmos para moverem um corpo articulado.

Estou sempre interessado nas causas do movimento, estudo esse assunto por vários ângulos. Um deles é o de dar sentido a uma criatura, e tenho de fazer isso de maneira que ela reaja ao mundo exterior, no caso da "Venus #1", para aquilo que ela ouvir. Neste caso, para o qual eu criei o "asFFT", a orelha da Vênus está diretamente conectada com os músculos, então o som anima diretamente o corpo. O "asFFT" é o ouvido de "Venus #1".

Andrews
Você está satisfeito com sua peça "Venus #1" e com o "asFFT Xtra" em seu estado atual? Está trabalhando ainda neles ou estão terminados? A que você aspira?
Schmitt
Eu gosto muito da "Venus #1". Penso que ela tem uma maneira só dela de reagir à música, e que nos faz escutar de modo diferente a música que já conhecemos. Como o #1 implica, tive a idéia de criar outras criaturas com o mesmo conceito, mas não encontrei ainda inspiração.
Andrews
Como descreveria seus principais problemas como artista-programador?
Schmitt
Eu me encontro no cruzamento de uma prática (a programação) e de uma pesquisa artística, principalmente humanista. Utilizo a programação como uma matéria que eu moldo para criar, no campo das artes plásticas, os objetos e as situações. Meu centro de interesse é principalmente 'a tensão pelo que vai acontecer', e a programação constitui uma maneira única de explorar esse campo. Um programa é uma enorme sucessão de micro-decisões, e esta similaridade com os seres vivos é notável, é nesta similaridade que eu me concentro.
Andrews
Existem outros trabalhos seus sobre os quais você gostaria de falar comigo?
Schmitt
Muitos, muitos! :-) Minha última série, a "nanoensembles", e o amigo delas "the world ensemble" assim como os seus primos os "22 cubes ensemble" e a performance "nanomachine", são para mim muito excitantes atualmente.
Andrews
Você tem uma magnífica página de "links" em "gratin.org". Você parece querer acompanhar o que está sendo feito na "web" em relação à arte com algoritmos.
Schmitt
Sim ! Este campo se tornou realmente ativo ultimamente, e muitos trabalhos interessantes e posições teóricas acontecem ao redor disso. É até exagerado de certo modo, principalmente por causa do mistério do ato de programação (para não programadores). Tento manter o "gratin.org" enfocado em meu interesse principal, isto é, em sistemas, simulações, autonomia...
Andrews
O que é o "gratin.org"? O que existe nele ?
Schmitt
Estou centralizando os "links" interessantes que um grupo de relações me faz seguir.
Andrews
Será que você, Durieu e Nicolas Clauss conversam bastante sobre o interesse que compartilham ?
Schmitt
Realmente, embora nós nos encontremos muito, não conversamos sobre o que nós fazemos. Nós conversamos principalmente sobre a vida (difícil) do artista, ou sobre contratos que estão em curso...
Andrews
Que outras preocupações e interesses você compartilha com Durieu, Clauss, servovalve e Jean-Luc Lamarque?
Schmitt

Gosto muito dos objetos lúdicos de Frédéric Durieu. Eu adoro realmente a poesia de Nicolas Clauss (and Jean-Jacques Birgé) . Muito me tem inspirado a estética gráfica de servovalve. Gosto muito também do aspecto de ferramenta criativa e da abordagem colaborativa do "Pianographique" de Jean-Luc Lamarque.

Andrews
Todos vocês usam "Director" e são artistas-programadores . Como isto aconteceu ?
Schmitt
Não tenho idéia ! Para mim, 'Director" é o melhor ferramental porque ele permite que me concentre no coração do meu trabalho sem me aborrecer com detalhes técnicos, como portabilidade, gráficos, exibições, formatos de som , etc... O 'Director", apesar de todas as suas falhas, é uma grande plataforma para protótipos, realmente rápida (da idéia ao objeto), e por integrar imagem e som com algoritmos.
Andrews
Onde vocês costumam se encontrar?
Schmitt
Na casa de nosso amigo Jean-Jacques Birgé :-) Foi ele que criou o vínculo entre a maioria de nós.
Andrews
Você trabalha com eles?
Schmitt
Trabalhei muito com Jean-Jacques Birgé ("Carton", "Machiavel"), e poucas vezes com servovalve. E alguns outros projetos estão a caminho...
Andrews
Você pensa que esta é uma situação não muito habitual—você ser membro de um grupo tão talentoso de artistas que utilizam a mesma ferramenta, e onde todos são artistas "web" e moram na mesma região? Isto me parece esplêndido.
Schmitt
Penso que existem outros grupos não usuais , em Londres (em volta de generative.net) ou New York (em volta de dorkbot-nyc), ou mesmo em Paris (betaville, etc...)
ANTOINE SCHMITT Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto
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Co-publicado em fevereiro de 2003, Nova Iorque, Rio, Berlim, Toronto