"Quando criei o "Pianographique" em 1992, estava muito influenciado pelo Dadá, pelos Surrealistas, pelos pintores que utilizavam colagem, pelos cineastas experimentais como Oscar Fischinger que trabalhavam com a relação sinestésica entre a imagem e o som."

Jean-Luc Lamarque

JEAN-LUC LAMARQUE Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto

Quando mostrei o "Pianographique" ao meu amigo Cliff Syringe, ele não acreditou no que via. "Pianographique" faz os músicos exultarem. Cliff é baixista, cantor e pintor. Lamarque combina seus interesses musicais com os de pintor. O dente de ouro de Cliff reluziu e ele mergulhou profundamente no "Pianographique", tocando com a mesma fascinação que os músicos sentem quando tocam seu próprio instrumento.

O "Pianographique" de Jean-Luc Lamarque é um instrumento interativo "online" que permite criar simultaneamente composições sonoras e gráficas. Largamente conhecido, ele é tocado com o teclado e algumas vezes com o mouse. Não é necessário ser músico para tocá-lo, mas isto pode ajudar. Suspeito mesmo que o "Pianographique" é particularmente atraente para os músicos.

'Pianographique" é muito variado por ser composto de diferentes módulos (alguns deles podem ser vistos nas imagens ao lado). Cada módulo corresponde a um universo gráfico e sonoro particulares. Todos eles funcionam com uma mesma regra: cada letra do alfabeto digitada no teclado desencadeia uma ação que envolve animação e som. Somente os módulos "Krsh_Neige" e "Angular Entropy" permitem também a utilização das flechas para ampliar, diminuir e virar à direita ou à esquerda os elementos gráficos. As teclas numéricas permitem também aplicar à composição uma tinta escolhida entre uma palheta de nove cores.

Alguns sons se repetem enquanto outros são tocados uma única vez. Então se pode instalar um som de fundo e improvisar com os sons que não se repetem, e depois mudar também os sons de fundo. O tempo de resposta do teclado é bom o suficiente como deve ser para esse gênero de instrumento.

Existe uma grande variedade de módulos para praticar. Não só variedades musicais. Alguns módulos são dedicados às palavra faladas, outros são musicais, outros possuem sons mais experimentais ou atmosféricos.

No momento, "Pianographique" pertence a um pequeno conjunto de trabalhos áudio - interativos notáveis na Web que combinam o visual e o sonoro com possibilidades composicionais interessantes. Muitos desses trabalhos são obras de arte, outros apenas instrumentos musicais, mas não ambos ao mesmo tempo. Entretanto, Lamarque é bastante humilde ao falar de sua criação, pois "Pianographique", para mim, é mais um instrumento do que uma obra de arte, diz ele. Existe realmente uma tensão entre a idéia de ferramenta ou instrumento e a obra de arte que é gerada com a sua utilização. De forma intrigante, as obras não 'resolvem' muito bem essa tensão que acontece quando são tocadas.

Nesse trabalho o som está em primeiro plano. Mesmo se a ferramenta é visual, a temporalidade do jogo vem do som. A programação do som é, eu penso, um pouco mais avançada do que o trabalho com a imagem. A sincronização do som não é má. Ela depende também de quem toca, sobretudo sobre os pianos “ lov techno ”. Contudo Lamarque poderia facilmente fazer os módulos capazes de uma maior diversidade sonora, por exemplo, fazê-los mais complexos para serem usados como instrumentos, dar-lhes um alcance musical maior, mas ele não fez (ainda). Se isto for feito com cuidado, poderá diminuir a questão da obra ser vista tão somente como um instrumento ou como arte acessível por mais ou menos qualquer um; mas como uma direção para a música visual "on line" e "off line".

A maior parte das imagens geralmente é estática, salvo para os dois últimos pianos: "Compulsion" e "Sudden Stories" (colaboração com Clauss e Birgé) onde estamos começando a ver animações. Certamente é possível sincronizar a parte visual e a parte sonora, mas isto ainda não acontece em "Pianographique", embora talvez Lamarque adicione esta possibilidade no futuro. O "pianoscripter" que ele menciona na entrevista soa interessante. Mais do que salvar os sons sobre o disco rígido, esse módulo salvará informações de configuração como uma partitura musical.

A entrevista abaixo com Lamarque revela alguém que tem uma visão muito humilde de seu trabalho, o qual vem sendo largamente celebrado. Isto é encantador e não muito habitual. Ele parece considerar seu trabalho mais uma obra aberta do que uma obra de arte, isto é, presumivelmente algo em aberto para a arte e em desenvolvimento como um instrumento. É esta noção de abertura que ele cuidadosamente coloca e enxerga no seu trabalho. Lamarque está muito interessado no que outras pessoas fazem com o "Pianographique"—este é o enfoque, fazê-lo interessante em si mesmo e também uma ferramenta criativa para outros. Ele leva muito a sério a 'instrumentalidade ' de "Pianographique" e eu espero que nós o vejamos desenvolver-se de uma forma frutífera além de seu estado atual, que já é alguma coisa de notável.

Será interessante ver se estes desenvolvimentos farão com que "Pianographique" se torne mais agradável e interessante como objeto de arte ou instrumento, ou ambos ou ainda como alguma outra coisa.

  Entrevista
Andrews
Tenho visitado inúmeras vezes o seu "site", Jean-Luc. "Pianographique" é um tipo de instrumento de música ?
Lamarque
Para mim, o "Pianographique" é antes de tudo um instrumento multimídia. A noção de instrumento é muito importante. Como um pianista, tem que se praticar e aprender a fim de tocar e divertir-se.
Andrews
Parece-me que ele é também uma obra de arte. Você pensa que ele é tanto uma obra de arte quanto um instrumento ?
Lamarque
Cada piano que elaboro é um espaço a ser construído pelos internautas. Penso este espaço de maneira artística, mas prefiro categorizá-lo mais como obra aberta do que como obra de arte.
Andrews
Existem algumas diferenças importantes entre instrumentos e obras de arte?
Lamarque
O instrumento faz parte do processo artístico. Quando é bem tocado, se esvaece: a obra de arte aparece.
Andrews
Existem algumas diferenças importantes entre ferramentas e obras de arte?
Lamarque
As ferramentas são como os instrumentos, os meios de criação.
Andrews
Existe uma tensão entre a idéia de ferramenta e a idéia de uma obra de arte?
Lamarque
Para o piano, a idéia original era de criar um sistema que pudesse integrar os numerosos universos gráficos e sonoros. Sonha-se sempre com uma ferramenta ou com um sistema maravilhoso que crie para nós obras de arte, sonhos nos quais temos apenas que deixar a arte fluir. Apesar de ser um mito, sonho sempre com ele.
Andrews
Já se encontrou antes numa situação em que fazendo uma ferramenta melhor, obteria uma obra de arte menos significativa?
Lamarque
Claro. Tenho sempre vontade de complicar os pianos, adicionando funções. Faço isso muito parcimoniosamente porque o rendimento sensível diminui quando a complexidade aumenta.
Andrews
Você se vê trabalhando com novas formas de música? Neste caso, como as descreveria?
Lamarque
Meu objetivo é mais de criar universos gráficos e sonoros que se completem e de ver como os internautas vão se apoderar deles.
Andrews
Será que "Pianographique" pode ser relacionado com os "video clips" ?
Lamarque

Quando criei o "Pianographique", em 1992, era muito influenciado pelo Dadá, pelos Surrealistas, pelos pintores que utilizavam colagem, pelos cineastas experimentais como Oscar Fischinger que trabalhava com a relação sinestésica entre a imagem e o som.

Andrews
Você consegue ganhar dinheiro com "Pianographique"? Noto que você fez versões para "sites" de clientes. Os músicos lhe encomendam versões para eles?
Lamarque

Realizei pianos para o "website" dos Beatles (comissionado pela EMI) e para uma banda francesa “bosco" (comissionado pelos músicos que gostam do"pianographique"). Isto acontece com freqüência em relação às produtoras de discos. Por suas estruturas a WWW é considerada na França como uma ferramenta promocional e não como um campo de experiência e inovação. É uma pena, principalmente porque estou convencido da enorme potencialidade da música interativa.

Andrews
Recentemente você trabalhou com Nicolas Clauss num "Pianographique". Como foi este trabalho colaborativo?
Lamarque

Nicolas me contatou pela internet para que nós realizássemos um piano juntos. Nosso passado comum de pintores nos aproximou. Fiquei encarregado do código e Nicolas e Jean-Jacques Birgé da parte sensível. Fiquei encantado com essa colaboração. Quando os artistas já possuem um universo forte o piano torna-se uma reformulação lúdica e aberta do trabalho deles. O mesmo aconteceu com Xavier Péhuet de (vide http://www.seelans.net/) que realizou comigo os pianos "Angular Entropy / krsh-neige". Trabalhamos juntos há dois anos.

Andrews
Você trabalhou com servovalve ? Se trabalhou, o que vocês fizeram juntos? Trabalhou com Schmitt or Durieu? Você compartilha interesses com eles? Que tipo de interesses?
Lamarque
Colaborei com servovalve no CD ROM consagrado à obra do artista Jean Tinguely. Nós nos encontramos quando há apresentações. Trabalhei com Fred Durieu para um CD ROM educativo para crianças. Nós dois compartilhamos esse desejo de explorar novas formas, cada um de nós de um modo próprio e específico.
Andrews
Você faz apresentações com o "Pianographique"? Como elas acontecem?
Lamarque
Muitas pessoas contribuíram para a aventura do "Pianographique". Quando nos apresentamos há sempre mais de um intérprete. Há também sempre uma câmera de vídeo que filma as mãos sobre o teclado e permite aos espectadores compreender o que se passa. Os espectadores observam como nós tocamos e podem então sentir que a interpretação é uma fase essencial do processo criativo do "Pianographique".
Andrews
Em que você trabalha hoje e quais são os seus projetos?
Lamarque
Pretendo continuar a colaboração com os artistas e com os músicos que gostam de piano. Tenho a intenção de desenvolver várias extensões do "Pianographique": o "Pianomixer" permitirá a construção de pianos pessoais, com o auxílio de uma base de dados de imagens e de sons; o "Pianoscripter" permitirá gerar e editar as partituras que poderão ser reinterpretadas.
JEAN-LUC LAMARQUE Por Jim Andrews
Tradução de Regina Célia Pinto
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Co-publicado em fevereiro de 2003, Nova Iorque, Rio, Berlim, Toronto